sábado, 30 de dezembro de 2017

AS BRUXAS


As bruxas reunidas ao meio dia
concluíram: não há condições
suficientes para a magia;
a luz é má para medos e papões.

Juntaram-se de novo à tardinha
com pós de perlimpimpim
mas não pegava ainda a mezinha,
havia gente a ver, mesmo assim.

Resolveram à noite, ao serão,
quando toda a gente dormia já,
proclamar a sua extinção
com a ressalva de que as há, há.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

AGENDA 2018


Janeiro e fevereiro
vêm primeiro

A Primavera traz março
se puder nada faço

Ah chega abril
meu encanto meu buril

e confiante ensaio
o esperado mês de maio

Junho e julho
no mesmo embrulho

Deitado na areia em agosto
até ao sol posto

Uma rima para setembro
de resto nada me lembro

Quando outubro assoma
vem o vinho novo e a azeitona

Novembro dentro dos carris
e ver o que o Borda d’Água diz

Dezembro entre outras actividades
é desejar prosperidades

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

VICISSITUDES DA LÍNGUA


No dia em que me apercebi que “às vezes”
tem o mesmo significado que “nem sempre”
fiquei muito desiludido.
Nunca esperei que existissem duas frases
desprovidas de um objectivo mensurável
e o mesmo significado,
semelhantes a cotonetes, cujo lado a utilizar
depende do acaso e é aleatório.
Mas não disse nada, não fosse a descoberta
causar pânico ou, pior, alguém dizer
que o assunto constava já de uma velha agenda
da Academia das Letras, tornando ridícula
a minha desencantada descoberta.
Um autêntico desperdício, que às vezes molesta
e dá vontade de desistir, mas nem sempre.

sábado, 23 de dezembro de 2017

MERCEARIA


Na mercearia comprava-se fiado,
levava-se à vez
por cinco réis de mel coado
e pagava-se no fim do mês.

Cem gramas de café,
açúcar, rebuçados para a tosse…
e se houvesse maré,
qualquer coisinha mais doce.

Com sorte, não faltava nada
do que tínhamos para avio:
queques, pão de ló, marmelada
e mesmo panos de atavio.

Poucas restam já,
que os tempos estão mudados.
Agora, se não houver há
nos aos supermercados.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

SACRIFÍCIO ALIMENTAR


Amargo como o fel,
fétido, de sabor tão mau,
este suplemento fiel,
óleo de fígado de bacalhau.

Bom para resistir
diziam os pais
e de engolir
mau de mais!

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

POBRE LUZ POBRE



Amiúde, a falta de energia
e de dinheiro
coincidiam no pavio
do candeeiro

a petróleo, em lugar certo,
aclarando a vida:
uma chama ali por perto
ia consumindo a torcida.

A petróleo, ali por perto,
a chama duma torcida
em lugar certo
ia consumindo a vida.

domingo, 17 de dezembro de 2017

A LEITEIRA


Magro, meio-gordo… valha a variedade
actual… Dantes era leite sem nome,
leite sem qualquer vaidade
e matava a fome.

Leite fresco, gritava a leiteira,
mal dobrava a esquina,
levava as casas de carreira
em jeito alegre e traquina.

Leite fresco, leite do dia,
acabado de ordenhar,
dá saúde e alegria
e dá à leiteira a ganhar…

-Dê-me meio quartilho
(o dinheiro para mais não dá)
é para o meu filho
e do que sobrar se verá.

sábado, 16 de dezembro de 2017

O QUE HAVIA DE ME LEMBRAR


Somos extraordinários:
enquanto vivos alimentamos insectos,
que nos chupam, picam e mordem;
depois de mortos, dizem, servimos de repasto
a um exército de larvas,
que nos devoram até ao osso.
Creio tratar-se de vingança congénita
quando comemos caracóis e os acompanhamos com cerveja
ou coleccionamos borboletas exóticas.
À nossa maneira vamos matando o bicho. 

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

EPÍGONO DO MAL


O filho do diabo mais novo
Belzebu da Lusitânia
diz que o pão não é do povo,
que é de geração espontânea

O diabo em figura de gente
quer que o país dê p’rò torto
mas vamos andando em frente,
ele é que não tem onde cair morto.

De uma só assentada
promete fogo e caruma,
com uma mão cheia de nada
e outra de coisa nenhuma.

É alarve, só pode ser
bicho sem pingo de verdade
tanto pode burro a valer
como égua de vaidade.

O sacrista das profundezas
inscreve catástrofes, vida insana,
revoltas da natureza
em capítulos de programa.

No fim, vendo quem ri melhor,
sorrimos de novo ao cravo
e ele, com o seu ar superior,
ri sozinho porque é parvo. 

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

NAIF



Esta terra que eu piso
e que é minha sem o saber
dá-me o calor que preciso
e um lugar para viver.

Pode ser tosca ou rude,
tombar para qualquer lado,
que eu alcanço, não me ilude
correndo à toa ou parado.

Não é bondade imaculada,
tampouco madrasta, fingida;
por mais ou menos amada,
não mata o que dá vida.

sábado, 9 de dezembro de 2017

CUIDADOS COM A ALIMENTAÇÃO


Dentes podres à meia-idade
é tabaco, é de fumar.
Caso não seja fumosidade
então é apenas azar.

É descuidado, é obeso
sem cuidados de alimentação
não lhe dá para perder peso
tem mais fome que razão.

Bebe vinho em demasia
como se não houvesse amanhã
dói-lhe o estômago, tem azia,
abusa do kompensan.

É filho do exagero
e a gula faz-lhe mal:
não dispensa um bom tempero
e exagera sempre no sal.

Do açúcar nem se fala,
do pão, dos polinsaturados
e o ar feliz que exala
deixa-nos preocupados.

Além do mais há a diabetes,
os cancros, o AVC
que pica como alfinetes
e morre-se sem saber porquê.

Há também quem acalenta
chegar novo a velho
por treze euros e quarenta
não falta quem dê conselho.

Para viver bem amiúde
aponte aí no seu caderno
é morrer cheio de saúde
e fazer da vida um inferno.

Morreu novo, alguma fez,
teve falta de cuidado.
Morreu velho, era a sua vez,
já não se tinha, coitado. 

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

EQUINÓCIO DO BEIJO



Agora que pairam nuvens
sobre um lençol
azul e a brandura da lua
seminua
se insinua é que tu vens
com os teus raios de sol
poisar no rossio
dos meus lábios de azulejo 
frio
dar-me um beijo.

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

IMAGINAÇÃO


Quando repouso a minha cabeça voa,
evoca dores, caminhos e soluções.
Quando acordo – que a cabeça não me doa –
mal vai se tudo for só recordações…

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

PERSISTÊNCIA



A pêra rocha era dura de roer
e ainda assim comi-a.
Não foi pêra doce.


sábado, 2 de dezembro de 2017

PARTILHA


Uma larva veio fazer-me companhia
à hora da refeição.
Trazia uma maçã para partilhar.
Agradeci como sempre.