domingo, 31 de julho de 2016

COMBOIO


Dois carris, uma travessa:
u-u-u, há quanto tempo,
quanto fumo, quanta pressa.

Falta lenha, contratempo:
u-u-u, a água já condensa,
passa-tempo. passa o tempo.

Se leva gente? Homessa!
chega a tempo, chega a tempo,
leva pressa, leva pressa.

Já chegou, vem à janela,
vem à tabela, vem à tabela.

U-U-U-U-U  U-U-U-U-U

quinta-feira, 28 de julho de 2016

LIBERDADE


O sorriso é um cavalo à solta
galopando através da boca
o resto
é fruto da imaginação dum puto
que não quer comer a sopa

terça-feira, 26 de julho de 2016

DOS DEUSES


Ide e levai vossas almas e cantis
logo encontrareis a provação:
um deus de ferro sangrando
em cada cabeceira exigirá
que dissimuleis a sede
Mais adiante encontrá-lo-eis sentado
e a sua mão esquerda descansará sobre o joelho
com a direita vos benzerá de água

Ao terceiro dia achareis como é difícil
prolongar um adeus
alem da curva do caminho


domingo, 24 de julho de 2016

FÁBULA DO CÃO E DO LOBO


Sabemo-lo, conhecendo a natureza,
mas não será demais dizer de novo:
ao eleger entre predador e presa,
não é por uivar que o cão é lobo.

Porém, vista a tese por outro lado,
temos que, pela mesmíssima razão,
por mais que o lobo dê ao rabo,
não é, nunca será um cão.

Lobo é lobo, cão é cão
e ambos, macacos de imitação.

sexta-feira, 22 de julho de 2016

FIRME


De luas não, de lua
carregada às costas
até ao fim da rua
enorme. A quanto apostas?

De sonho não, de sonhos,
pés assentes no chão
mais os versos que componho
e prosas de aluvião.

De luzes não, da luz
que sobra e põe à prova
os reis caminhando nus,
vou de lua em lua nova.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

FANTASIA



Não, mais fantasia não, que me causam sono e tédio!
A realidade, pelo menos, dá-me ganas, dá-me alento,
mesmo sendo o que é, pois não tenho mais remédio,
que combatê-la para não me desleixar ao sabor do vento.

Mas de fantasia chega: bastam os sonhos e quimeras,
bastam as ondas, os adamastores, e os cardumes de sereias,
que me atraiçoam e mais não oferecem senão esperas
de morte, sabem-no o meu sangue e as minhas veias.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

DIVINA COMÉDIA


Olha como põem a mão
(direita) em jeito penitente
do lado do coração!

Já a esquerda, diligente,
protege com devoção
o que querem dar à gente…

sexta-feira, 15 de julho de 2016

MEMÓRIAS


Passo em revista os lugares, as casas
e as ruas: lembranças que o tempo já não cura.
A vida tomou rumos, bateu as asas,
e o que vejo guardo para memória futura.

Mas é o passado que percorre
as imagens que com preceito alinho
e com elas a memória persistente, que não morre,
me diz quanto do meu andar já foi caminho.

quarta-feira, 13 de julho de 2016

TURISMO


Tocadas a vento
as mós de roldão
era o meu intento

era o meu intento

mas agora não
nem passa o vento
nem se mói o pão

nem se mói o pão

de moleiro ausente
é turismo é verão
já só moem gente

já só moem gente 

sábado, 9 de julho de 2016

BIBELOT


Perfeito monte de brincar
com tudo no lugar exacto;
malgrado, dá para olhar:
é bibelot de artesanato.

Mas podem tirar o retrato,
fica para depois recordar;
salvo a gente e o aparato
do trabalho noutro lugar.

Depois, ainda o respeito
a quem, curvado, labuta
e que se apruma a eito,
que trabalha e que luta.

quinta-feira, 7 de julho de 2016

REIS PARTAM


É rei el rei se for bolo;
reinação, se o rei for tolo.

Abjecto rei de nu vestido;
rei momo é adjectivo.

Todos os reis, reis para tudo;
desde o bacalhau ao Entrudo.

De reis, até ao pescoço,
a quem tem dez reis no bolso

Copas, paus, ouros, espadas:
reis p’ra todas as jogadas

De um tal Midas, o toque
ficou sem rei nem roque.

Reis da rádio telefonia…
Reis partam a monarquia!

terça-feira, 5 de julho de 2016

PENHA GARCIA


Enquanto dorme, a penha imita o sono,
habita o coração e a aguarela do sonho.
Escala a memória, rude, áspera e medonha,
para se adentrar no vale como lençol de estopa
e voltear no leito como quem já não sonha
ser tão grande o mundo e a vida tão pouca.

domingo, 3 de julho de 2016

SUPERSTIÇÃO


O gato branco brilha no escuro
da noite empoleirado no muro
é, por si só, apenas um gato.
Mesmo que o gato fosse preto
(sendo embora branco, é um facto)
seria um gato e não um amuleto.

Porém o gato é branco como o luar
e por não ser preto não dá azar.
Preto é o tempo, a noite lá fora
e o azar não está no gato galdério.
Antes que o gato se vá embora
temos de  resolver este mistério.

Se o gato fosse preto, que mal fazia
e o branco fosse agora a luz do dia?
Tudo seria igual ou então parecido.
Pior era se o gato preto, por capricho,
se deitasse à noite escura, sem luar:
ninguém daria razão do pobre bicho
e não haveria nem gato, nem azar.

sexta-feira, 1 de julho de 2016

VERÃO SE VIREM


Agora era suposto o sol na eira,
digamos, que salvo à sombra, em todo o lado,
mas não: ora se mostra, ora se esgueira
e assim vai o tempo, triste e nublado.

Meteu-se o homem com os elementos,
com experiências estranhas e deu-se mal.
Agora deixem-se de lágrimas e lamentos,
que o Verão só como prenda de Natal.

De repente uma trovoada daquelas,
frio de rachar seguido de sol abrasador,
que se não nos tomarmos de cautelas,
ai de nós, com este Verão no seu melhor.