quinta-feira, 30 de setembro de 2010

DA LUA


Só hoje reparei como é branca a Lua
e é mais branca ainda
porque a partir de agora
pensarei sempre que a Lua é branca

mas não lhe vi halos
nem lágrimas radioactivas
sobre as hastes e varandas oficiais

a Lua é branca apenas
enormemente branca

e isso basta-me

terça-feira, 28 de setembro de 2010

A ÁGUA DURA


Água mole pedra dura
água mole pedra dura
água mole pedra dura
tanto dá
tanto dá
tanto dá

água dura pedra mole
água dura pedra mole
água dura pedra mole
até que fura
até que fura
até que fura

dura a pedra dura a água
quem as fura?

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

POEMAMÁQUINA

tec tarec tec

a máquina
de escrever
à tec tecla
poemas plim
rima assim:

tec tarec tec

tec larec tac
re re retrocesso
meti o dedo
no buraco

tec tarec tec

maiúcula plim
a vermelho
minúscula ploc
muda a cor
agora não rima
fica assim

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

JANELAS DA MINHA RUA


Janelas com vistas para nós...


segunda-feira, 20 de setembro de 2010

COMO CANDEIAS

Deixamos nos outros um traço
de memória, um fio de voz,
e neles criamos um espaço,
que sendo alheio, somos nós.

Também dos outros temos
lembranças boas e más
e por mais voltas que demos,
é essa soma que nos faz.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

DAS ESTÓRIAS

Minha paciente memória desfia
como a um terço de ave-marias
as mil versões do capuchinho

em todas me vejo menino triste
por aquela avó sem despensa
a quem o lobo engole em desespero

só mais tarde graças a subtis pedagogias
a pobre avó consegue a elementar assoalhada

hoje as coisas voltam a estar feias
e não se sabe mesmo se o lobo
a não comeu já pela segunda vez

terça-feira, 14 de setembro de 2010

DO SILÊNCIO


Aquele professor de cinquenta e nove
arrastava-se para o quadro
como uma lesma de meias pretas
e desenhava em cursivo
a palavra silêncio extra caligrafia

corria então um sinal de cotovelos
adiando-se no momento a aventura mais fresca

desde então sempre associei o silêncio
à respiração nasal
e a uma velha cana de quatro metros

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

ROTUNDAS



O engenho das rotundas



quarta-feira, 8 de setembro de 2010

A PROPÓSITO DA VOSSA VISITA


Tivesse eu o ensejo
de pintar um azulejo
naif, como é o vosso,
pintava-o com um abraço
(um abraço, é como o vejo)
e as cores do Alentejo.

Pintava em postura ufana
dois cravos com forma humana
numa planície sem fim,
uma seara e um jardim.
Em seguida, o espaço – Viana,
e nele, o Joaquim e a Ana.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

WINDOWS


Windows, eyes of the houses.

Olhares de nós.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

CAVALOS II

Ah, mas se eu pudesse, como o vento,
tocá-los com um dedo só que fosse,
que indizível seria esse momento!
Que contentamento tão fino e doce.

Porém, fogem-me, por encantamento
quase me trespassam sem tocá-los,
como tudo o que afinal invento,
sejam poemas, neblinas ou cavalos.

Compraz-me vê-los soltos, surreais,
pégasos de nós, furtivos e imortais,
em aparição furtiva, mas tão real,

que a fantasia do que sejam, afinal
não passa de sonho ou coisa tal,
que apenas se pressente … e pouco mais.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

PRIMAVERA NA RAIA


Aqui, a matriz é de oiro intenso
e o vento descuida o passaporte.
Manda o sol. E, com um pouco de sorte,
é a este lugar que eu pertenço.

Por agora, é na raia beirã que penso,
na Campina impressiva e forte.
Além, espanhas, o horizonte, o corte
umbilical, nivelado e denso.

Deixo no trigo, já segado, o meu olhar
diluir-se entre a filigrana e os lilases.
Regresso à terra, faço as pazes

com este chão materno que me implora
o verbo e a alma sem demora
e me obriga, mais uma vez, a sonhar.