segunda-feira, 30 de agosto de 2010

URBANIDADES


Ateiam-se fogueiras, outros lumes
e a cidade boceja, sobressai da bruma.
Das janelas toam as dores do costume
com as gelosias cerradas de ciúme.

Os semáforos dão a cor do perigo,
outros, avisam cedência intermitente.
Um par de olhos lacrimeja ao postigo,
num percurso sinuoso e descendente.

Mas já se ouve o alvoroço dos pardais,
que não tardam aí a dar sinais
da madrugada que irá rasgar o céu.

O mesmo itinerário persigo eu:
se a noite acende brasas nos meus ais,
alvoram-me no peito as aves matinais.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

MANCHA URBANA


Praças, ruas, avenidas e vielas;
antenas, telhados, muros e casas;
tintas, meias tintas, aguarelas,
e lá se vai o meu par de asas…

Candeeiros, lâmpadas e brasas,
fluorescentes e também velas
perfiladas em acção de graças,
caminhando em linhas paralelas.

Andaimes, vigas, a urbe cresce
e explode, grita, quando amanhece
em geométricos canteiros.

Esquadros, réguas, prumos, pregos,
são agora arquitectos cegos
em torvelinho, como bichos carpinteiros…

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

LISBOA


É provável teres chorado ali, naquela casa,
ou em todas, quando a neblina desceu.
Sei da lágrima atrás dessa vidraça
e sei do pranto que bem pode ser o meu.

Magoa a luz mortiça, o quase breu
e o fado, que lacera e que devassa.
Ouvem-se os acordes, a voz já se perdeu.
Na rua ninguém mora, ninguém passa.

A minha alma é o desprovido luzeiro,
resistente à bruma e ao fumo do cigarro.
Pode ser pranto ou farol de marinheiro,

choro, brasa ou o cais onde amarro
a vida passageira o tempo inteiro,
sejas Alfama, Madragoa ou o meu bairro.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

CAVALOS


Competem com o vento, contra o tempo
por impulsos de sangue e de aventura.
Galopam por essência e temperamento,
aliam o momento à presteza pura.

As crinas encrespadas, soltas ao vento,
são, a bem dizer, como uma assinatura
da liberdade que no trote, lentamente,
se funde com a arte dedicada na gravura.

Este é o corcel altivo em figura,
que não tem destino ou meta em vista
e lhe rogo, que por tudo não desista.

Outros querem a glória e a ovação;
o seu limite, o músculo, a exaustão:
isso é quem os monta que o procura.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

TONS E SONS - MÚSICA


A postos címbalos, fagotes e cordas,
harpas, trombones e metálicos afins.
O maestro ensaia, afina leves acordes
e solta a música com um golpe de rins.

Opus em sol maior, entram os clarins!
E o piano responde com um lamento.
Doce, quase adormece os querubins,
que protagonizam o segundo andamento.

A clave é de sol. É um sol nascente:
música, música, o som é urgente
e o barítono, grave, irrompe fascinante.

Os anjos fazem o coro pueril e quente
(de um imperceptível azul envolvente)
e deixam fluir em sol a melodia andante.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

TALHA E ROSAS EM AZUL


Na talha, um ramo anil de rosas.
No entanto, uma imperceptível cor,
causa no sereno azul das rosas
um abafado pranto, uma quieta dor.

Vertidos, os pequenos pães de flor,
em prece, clamam almas caridosas:
- São apenas rosas, meu Senhor…
deixai o anil dizer quão espinhosas.

E o milagre azul é espalhado
em cacho ordeiro e perfilado
no chão de igual sorte e anil afim.

Dizer das rosas é dizer de mim:
se os meus versos azuis dizem que sim,
o corpo esparge um alento matizado.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

LOGRO ESTIVAL




-É para te ver melhor, disse o lobo.





















sexta-feira, 13 de agosto de 2010

SOL PARTILHADO


O sol quando nasce é para todos,
mas nem todos o partilham nas mesmas condições.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

MARÉ VASA


pescador, arrais ou lobo-do-mar,
que é do teu remo, do teu leme,
que a força do mar não teme?

o casco cede, a proa geme.
eh oh, oh eh, ala! é preia mar!
há tanto mar, deixem navegar!

Ainda há tanto mar, tanto mar!

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

HIPÉRBOLE MILITAR


Deu à pátria o que tinha e o que não tinha;
o dobro de quanto lhe deu inteira a vida.
Em troca, teve insígnias, uma pensãozinha
e uma cruz de guerra na hora da partida.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

CREPÚSCULO


Crepuscular , o céu; no meu olhar, o seu.