segunda-feira, 30 de março de 2009

ERA UMA VEZ...

Foi em Maio de 1972 – sim, não tarda, há 37 anos – que o Ambrósio concebeu a capa e o arranjo gráfico dos versos que em livro primeiro atirei à rua. É justo aqui salientar o Ambrósio Ferreira pelo seu desvelo, mas foram mais os que se empenharam nesta quase conspirativa ideia de lançar um livro de poemas de combate, contra medos, ventos e marés.

AR(R)ANHÕES


Compram candeias
por trinta dinheirias,
depois cobrem de teias
ministérios e sacristias.

Sugam-nos as veias
nas noites dos dias,
como centopeias:
traiçoeiras, esguias.

Estendem-nos o manto
como em procissões,
tecem o encanto.

E nós, que tecelões!
Tecemos em cada canto
a penumbra dos serões


sexta-feira, 27 de março de 2009

O APARELHO DE RÁDIO


Era de ondas curtas e enorme, o aparelho de rádio
que a todos mantinha em absoluto silêncio à hora das notícias.
Levava o seu tempo, o aquecimento das entranhas,
mas logo após, tudo tinha o seu encanto,
incluindo os ruídos das interferências,
as imprecisões da sintonia,
os interlúdios
e até a cobertura franzida de chita estampada,
convenientemente ajustada, e aberta à frente,
de modo a que se visse o mostrador e o ponteiro
que sinalizava a estação emissora.
O volume do som era normalmente baixo.
Os que padeciam de menor audição
sempre poderiam encostar o ouvido ao aparelho.
Era um bom rádio: a música sempre magnífica,
os folhetins dramáticos até às lágrimas,
como eram os bons folhetins,
e as notícias sempre verdadeiras
ou, pelo menos, nunca postas em causa.
O velho e enorme Ambassador
continua a fazer-me companhia, soberbo,
numa prateleira exclusiva,
ainda reconhece os mega hertz que lhe dão vida.
Quanto ao tamanho, na verdade, é bastante mais modesto.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Duas ou três explicações

Isto de blogues e tal, não é para mim como peixe na água. É mais como pé ante pé, de nenufar em nenufar... Porém, isso não explica as omissões que passo a descrever, com pedido de desculpa aos visados. A isto se chama começar bem...

A imagem de rochedo e mar é galega, fotografada pela minha amiga Liliana. Já a M. José foi quem me ofereceu a pequena escarpa de lages que pende sobre o rio Ponsul. Sobre o "mural" que tem inserto um poema meu sobre a Raia, o quadro é do meu amigo Luis Silveira, cujo título é justamente Primavera na Raia, o local é a Escola da Mata e a ocasião foi o lançamento da monografia de outro meu amigo, o Manuel Barata, intitulada Mata-Um Falar Peculiar e Outras Curiosidades.
Feitos estes reparos - e não creio, pra mal dos meus pecados, que não repita - resta-me dizer que os poemas publicados são, por enquanto, meus.

ARTE POÉTICA







Escrevo o que escrevo. Não faço fretes:
poesia é remover a nata duma alsaciana;
comer-lhe, sôfrego, a cereja freudiana,
sem receio da malvada diabetes.

Mas julgará bem quem por si julga
(tal e qual: sem ponto de interrogação):
prefiro mil vezes a inquietação
à baldada morte por coice de pulga.

Há, naturalmente, a congénita inspiração
que brota, torrencial, qual esguicho,
a que o poeta induz a douta orientação,
mais ou menos assim: aí, oh… bicho!

Mais não consta, salvo um amargo gosto
de boca. Em parte, por este início ser o fim
de algo que quase não se conhece o rosto
e podia muito bem não acabar assim.
Faço-te a vontade, Manel.
Não há sombras matizadas
de alegria e sofrimento.
Todas elas são pardas,
todas vestem de cinzento.

As sombras são como o vento:
só sabem bem na estiagem.
De resto, varia o lamento,
dependendo da aragem.

Quer sombras, quer sobras – dizia
a minha avó – não quero à frente.
As sobras fazem-me azia
e as sombras constrangimento.

Desta água beberei


terça-feira, 24 de março de 2009

SAUDAÇÃO INICIAL


ET CAETERA





Desculpa a pressa com que penso
nos milímetros marginais do verso
e, como cão farejando antigos mijos,
dissimule o cio enquanto ponho as asas no poema.

Desculpa a obsessão pelo tutano das palavras,
mesmo as bem nascidas e cuidadas
como os seixos mais polidos.

Desculpa a caligrafia e a gramática,
sempre tão dorsais e tão patéticas.